quinta-feira, 9 de outubro de 2014

O catre


Este é seu leito
Um catre, simplesmente
De aqui cada manhã
Saia para ir a sua tarefa
E é aqui que a noite
Deixava suas botinas empanadas
Se vê seus livros na cabeceira
Um a um
Estes livros
Vou abrindo
Nas páginas
ainda se vem às estrias
De suas mãos
A escova de dentes amarela
E o sabão todo branco
Ali sobre o parapeito
São dele
Sua camisa azul de marinheiro
Com as mangas sem mãos cruzadas sobre o
Peito
Estendida caiu sobre a cama
Este é seu leito
Um catre, simplesmente
O muro suspenso
Esse seu chapéu azul dos Domingos
E ali abaixo se vê, novo, um bilhete
de trem, abandonada ao chão.

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

História de uma separação



O homem disse a mulher
te amo
e tanto.
como se eu apertara entre minhas palmas
meu coração, como um pedaço de vidro
ensanguentando-me os dedos
 ao apertá-lo
 loucamente.

O homem disse a mulher:
te amo
e tanto.
com a profundidade dos quilômetros
com toda a imensidade dos quilômetros
Cem por cento
mil por cento
até o infinito cem mil vezes cem.

A mulher disse ao homem:
Eu olhei
com meus lábios
com minha cabeça e com meu coração
Com amor, com terror, ao me inclinar
sobre teus lábios
sobre teu coração
e tua cabeça
E tudo o que eu te digo agora
eu o aprendi de ti
como um murmúrio nas trevas
e hoje eu sei
que a terra
assim como uma mãe
de rosto ensolarado
amamenta à seu mas bonito filho.
Mas o que fazer?
Sujeitos meus cabelos estão aos dedos
do que morre
e não posso, não posso separar minha cabeça
Deves partir, deves me abandonar
A mulher se calou
Eles se abraçaram
Ao solo caiu um livro
Se fechou a janela
e assim se separaram.

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Uma da manhâ



III

O mantel é azul
Em cima nossos livros
valiosos, sinceros, sorridentes
Minha amada
regressei do cativeiro
da torre
que tem meu inimigo
em meu próprio pais.

Uma da manha
Nossa lâmpada ainda segue acesa
deitada ao meu lado, minha mulher.
Está em seu quinto mês
e quando com minha pele vermelha sua pele
sobre seu ventre deposito minha mão
na criança se move e se gira.
Como a folha da pele na água
assim a criança do homem na matriz
meu pequeno.
A primeira batida de minha criança
É de lã rosada
Sua mãe teceu
O corpo e apenas um palmo de minha mão
As mangas grandes como meu polegar!
Meu pequeno
Se fosse menina
Que de pé à cabeça parecesse sua mãe
Se é homem
Que tenha minha estatura
Se é menina
Que da cor da avelã sejam seus olhos
Se é menino
Que seu olhar seja intensamente azul
Meu pequeno,
Não quero que aos vintes anos o matem,
Se é menino a frente
Se é menina
Em plena noite, nos refúgios.
Meu pequeno,
Seja menina ou menino
Não importa em qual idade,
Não quero que o metam na prisão
Por amar a justiça, a paz e a beleza.
Mas esta claro
Meu menino ou menina
Que se um dia que ansiamos se atrasa
Vai lutar
E inclusive
É um oficio duro, aqui e em nossos dias,
O oficio de pai.

Uma da manhã
Nossa lâmpada ainda segue acesa
Talvez daqui um momento
Quiça quando amanheça
Vão forçar a porta
Vão me sequestrar e vão me levar
Com meus livros
A polícia política de ambos os lados.
Eu olharei para trás
Minha mulher ficara junto a porta
E, em seu ventre cheio e pesado, o menino
Se voltara uma e outra vez.

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Passeio noturno

Passeio noturno

II
Saiu do carcere
e imediatamente
deixou gravida a sua mulher;
A pega pelo braço
E a noite passeia pelo bairro.
A barriga da dama quase chega até o
     nariz.
Ela leva com graça essa carga sagrada.
Você se sente altivo e orgulhoso.
Está fresco.
Esse frescor que tem os bebes
   Quando as mãos se esfriam
Você quis apertá-la em seus braços
para manté-las quente.
Pela porta do açougue
rondam todos os gatos deste bairro
e a mulher encaracolada, a do segundo andar,
suas tentas se instalaram
na janela, sobre o parapeito
e ela contempla a noite.
O céu está muito limpo, iluminada apenas,
e no meio se vê a estrela do pastor
que centelha como um copo d’água.
O verãozinho de São João deste ano
se prolongou muito
se as amoras se tornem amarelas
verdes ainda se mostram as figueiras.
O tipografo Rafik
com a filha de Yorguí, do leiteiro,
vagabundeia no crepúsculo
seus dedos se entrelaçam.
Em seu armazém as lâmpadas acendem
Karabef
O cidadão armênio não perdoou nunca
que seu pai fora degolado
na montanha kurda
Mas te ama
porque sabe que você também não o perdôo
aqueles marcados com essa mancha negra
na frente de seu povo,
o povo turco.
Os tísicos do bairro
os que estão amarrados ao seu leito
olham por trás dos vidros
O filho sem trabalho de Hurí  a lavadeira
a tristeza pendurada dos ombros
vai café
A radio de Istambul difunde as notícias do último
momento
de um país muito distante além da Ásia distante.
Os cara-amarela-igual-a lua
estão brigando contra um dragão branco
Até ali foi enviada as pessoas de seu povo
São quatro mil e quinhentos exemplares
de Memet,
destinados
a assassinar seus irmãos
Enrubesce o rosto
de vergonha e de cólera.
Uma tristeza
Uma tristeza que não é nada abstrata
Uma tristeza que o pertence
Uma tristeza atada pelos pés e mãos
como se sua mulher atropelassem
jogando-a ao chão
e a fazendo perder seu bebe,
ou ainda, como se estivesse ainda na prisão com policiais de origem camponesa,
e os presos camponeses o espancassem.
A noite caiu repentinamente.
O passeio noturno terminou
Um carro policial aparece na esquina da sua rua
e sua mulher sussurra:
Não será por nós?

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

O DESPERTAR


Você acordou
Onde esta?
Em sua casa
Ainda não se acostumou
   a encontrar-se em sua casa
          ao despertar
É isto um constrangimento (um entre tantos)
   Que treze anos de cárcere deixaram.

Quem está deitado ao seu lado?
Não, não é a solidão
Sua mulher
   Dorme como um anjo
parece bom, a bela, estar gravida.

Que horas são?
Oito
E isso significa
que você, ate está noite,
   está seguro
porque, segundo o costume,
a polícia, enquanto é dia,
Não começa as invasões nas casas.

De Duro Diário do Exílio

Traduções para o portugues de poemas de Nazim Hikmet

Inicio neste blog a publicação de poemas de minha tradução do poeta Turco Nâzim Hikmet.
Poucos são seus poemas traduzidos em nossa língua. Por isso esta iniciativa.
Nós próximos dias iniciamos as publicações.
Segue um link para poemas em ingles.
http://www.marxists.org/subject/art/literature/nazim/